Trabalho escravo exige punição e reflexão
Angela Antunes
Diretora 1ª Secretária
O artigo 149 do Código Penal Brasileiro considera crime a submissão a condição análoga à escravidão, quando pessoas fazem trabalhos forçados, têm jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho ou restrição de locomoção. As ocorrências registradas no Brasil nas últimas décadas foram verificadas principalmente no meio rural, em atividades vinculadas ao agronegócio, seguidas de trabalhos domésticos. Uma violação dos direitos humanos, herança de um passado escravocrata, que ainda mantém marcas.
Notícias sobre trabalhadores que vieram para a Serra gaúcha prestar serviços na safra da uva colocaram em debate a terceirização, a precarização e a escravidão. A terceirização não é sinônimo de precarização, mas frequentemente nos deparamos com situações onde os funcionários não são pagos e não há recolhimento para o INSS. Outras vezes, as empresas fecham, não pagam direitos trabalhistas e abrem com novo CNPJ, burlando a fiscalização, como ocorreu com a prestadora de serviços em Bento Gonçalves. A situação demonstrou uma face ainda mais cruel, a escravidão, com pessoas submetidas a jornadas exaustivas, castigadas fisicamente, vigiadas por cães e por “capitães do mato” e se alimentando mal. Motivo de vergonha, reflexão e de necessidade de conscientização coletiva.
A maioria da população ficou estarrecida com o show de horrores a que nossos irmãos baianos foram submetidos. Quem procurou “desculpas” para explicar o inexplicável, no mínimo desconhece o significado da palavra empatia, o sentir a dor do outro. Faltou empatia ao Centro da Indústria, Comércio e Serviços (CIC) de Bento Gonçalves, que vinculou a situação à “relação com um sistema assistencialista, que causa falta de mão de obra na cidade”. Também ao vereador de Caxias do Sul, que usou a tribuna para fazer discurso de ódio e desqualificar o povo nordestino. Para estes, a culpa não é dos exploradores, mas das políticas públicas ou dos próprios explorados. Pessoas que parecem desconhecer o abismo da desigualdade social no país e nossa história. Os números refletem esta realidade – dos resgatados em trabalho escravo no Brasil em 2022, 83% se autodeclararam negros e mais da metade era proveniente do Nordeste.
É fundamental punir os responsáveis, envolvidos direta ou indiretamente no caso da Serra, seja por omissão, conivência ou conveniência. Mas é necessária também uma reflexão profunda sobre a precarização das relações de trabalho, a desigualdade social e os preconceitos envolvidos. Temos muito a evoluir para nos libertarmos do racismo, da xenofobia e de outros valores de um passado escravocrata. O sindicato, ciente desta realidade e preocupado com todas as formas de preconceito, criou no ano passado o grupo Diversidade Sintergs. E, neste ano, lançou uma campanha de conscientização, reforçando que discurso de ódio não tem espaço no sindicato. Que possamos contribuir nesta mudança, junto aos servidores públicos e à sociedade no combate a todas as práticas discriminatórias.
Foto: Carlos Macedo
Artigo originalmente publicado no Informativo do Sintergs – edição 69 – Maio de 2023
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