Governo ignora legislação federal e contrata laboratório privado para testagem de Covid-19
O governador Eduardo Leite (PSDB) ignorou determinação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), expressa na Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) 364, para contratar um laboratório agropecuário de Pelotas com o objetivo de realizar diagnósticos adicionais, além do Laboratório Central do Estado (Lacen), sobre novos casos de Covid-19. A Agropecuária Machado não se enquadra na flexibilização das regras de contratação da Anvisa, que autorizou o credenciamento apenas de laboratórios oficiais do Ministério da Agricultura. No Rio Grande do Sul, apenas o Laboratório Nacional Agropecuário de Porto Alegre poderia ser contratado.
Na sexta-feira (10), Leite afirmou em entrevista coletiva que laboratórios agropecuários estão autorizados pela Agência a realizar os testes de Covid-19. “Dentro do que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária preceitua, dentro do que se estabelece, laboratórios agropecuários podem fazer os exames. Não há nenhum problema nisso”, disse. A RDC, no entanto, é clara ao autorizar essas análises, “em caráter excepcional e temporário”, apenas para os laboratórios federais de defesa agropecuária – os LFDA, que são órgãos oficiais do Ministério da Agricultura. A RDC 364 foi editada em 1º de abril e vale por seis meses.
A contratação revela o descaso do governo com o serviço público justamente no momento em que o SUS tem sido a melhor resposta de combate ao novo coronavírus. “No momento da maior pandemia em 100 anos, o que se abre como opção para a prestação de serviços são contratações dessa natureza, que são no mínimo estranhas e suspeitas. O próprio governador afirmou que esse era o único laboratório que tinha os insumos necessários para o momento de crise, o que não é verdade como atestam publicamente entidades de saúde e conselhos de classe”, afirmou o presidente do Sintergs, Antonio Augusto Medeiros.
O processo de contratação da Agropecuária Machado foi atipicamente rápido: desencadeado às 11h02 do dia 3 de abril, uma sexta-feira, tomando por base o decreto estadual de calamidade pública, publicado em 19 de março, e a lei federal de emergência, editada em 6 de fevereiro, foi assinado na segunda-feira seguinte, dia 6, às 15h38. Todas as análises legais do contrato, desde a Assessoria Jurídica do governo até a apresentação de certificados e negativas legais, passando também por pareceres da Cage e da Divisão de Contratos e Convênios, levaram menos de 24 horas.
Como a empresa funciona prioritariamente como uma agropecuária, a adaptação técnica para atender a demanda de diagnósticos de Covid-19 foi referendada pela 3ª Coordenadoria Regional de Saúde – com sede em Pelotas. Medeiros estranha que essa análise não tenha sido feita pelo Centro Estadual de Vigilância Sanitária (CEVS). “Em que se baseou essa certificação emergencial? Não sabemos. Os requisitos técnicos da Anvisa para garantir a qualidade e a segurança das análises estão garantidos? Também não há certeza sobre isso”, disse.
O custo unitário do teste foi fixado em R$ 175. Como a capacidade é de 250 análises por dia e a validade do contrato é de seis meses, podendo ser renovado por igual período dependendo da necessidade, o negócio vale potencialmente R$ 7,87 milhões – mais de R$ 15 milhões, em caso de prorrogação. O empenho da Secretaria da Saúde, entretanto, é de R$ 1,31 milhão – o que significa inicialmente 7.500 testes. O presidente do Sintergs, que é médico veterinário, afirmou que a estratégia do governo deveria ter levado em conta a valorização do Laboratório Central do Estado (Lacen) – instituição que tem um papel central no combate a epidemias no Estado.
“O governador sequer cogitou a hipótese de, junto à contratação emergencial recente de um corpo técnico para o Lacen, promover a compra de equipamentos e insumos necessários para o enfrentamento da pandemia, com dispensa de licitação. Preferiu escolher uma empresa sem qualquer referência técnica em detrimento de mil laboratórios, alguns ligados a universidades, registrados em conselhos profissionais e devidamente reconhecidos”, criticou.
A pressa em contratar a Agropecuária Machado também passou por cima da exigência de apresentação da certidão estadual de regularidade fiscal. Ou seja, o governo não sabe se a empresa está com suas obrigações tributárias em dia. A autorização para contratar, mesmo sem a certidão, foi justificada pela urgência do serviço demandado e na lei federal de emergência. A secretária da Saúde, Arita Bergmann, referendou a dispensa.
A urgência pelos testes, entretanto, não se confirmou. Dez dias depois da assinatura do contrato, não houve a divulgação de nenhum resultado dos diagnósticos de Covid-19 no Rio Grande do Sul processados pela Agropecuária Machado.
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