Lockdown e a pandemia dos esquecidos

Lockdown e a pandemia dos esquecidos

Artigo de Elpídio Jaques de Borba, vice-presidente do Sintergs, e Raquel Fiori, diretora de Assuntos Previdenciários e Saúde*

Esta crise pandêmica fez com que nos acostumássemos a novos hábitos, mas alguns ainda são reticentes, como aqueles que não usam máscara ou que descumprem o isolamento social. A austeridade do chamado lockdown, aliado aos modelos estatísticos da ciência, tem graduado diferentes níveis de eficácia do ‘distanciamento social’ ou do ‘fique em casa se não quiser matar os outros ou ficar doente’.

Mesmo que o Brasil não tenha um modelo epidemiológico sanitário de controle, seja vertical, seja participativo, cabe aqui denunciarmos como criminosa a estratégia de liberar comércio e atividades não essenciais. Esta medida coloca em risco a população trabalhadora, na expectativa que a epidemia seja extinta e admitindo o aumento da mortalidade de muita gente pobre, da periferia, que não terá acesso aos meios que possam salvar suas vidas, como o acesso à UTI dos poucos hospitais que estarão aparelhados.

O maior temor é que num ambiente onde a taxa de vacinação é baixa e a de transmissão é alta, como no Brasil, pode-se ter um comprometimento com a eficácia das vacinas diante das variantes do virus.

E é neste cenário que encontramos um nível de estresse que tomou conta das famílias, onde adaptaram seus trabalhos, lazer e afazeres onde tempo e espaço adquiriram um novo significado. Em meio ao caos, as crianças foram privadas do convívio físico de amigos, familiares e professores. Alguns estudos relatam que na maioria dos casos as crianças não manifestam os sintomas graves da doença COVID-19, e em consequência, os olhares da saúde voltam-se aos grupos de risco, o que faz com que as crianças sejam esquecidas.

Até o dia 22 de junho de 2020, dados do Ministério da Saúde apontavam que 2.717 (2,11%) crianças e adolescentes entre zero e 19 anos de idade foram hospitalizadas em decorrência do SARS-CoV-2. Em raras publicações que abordam o assunto, fala-se das crianças terem uma maior capacidade de se adaptar à crise. Será mesmo que são mais resilientes? A Organização das Nações Unidas (ONU) publicou em 17 de abril de 2020 um alerta para que se preserve o bem-estar das crianças.

Iniciativas governamentais pairaram sobre o uso de medicamentos propostos com possibilidades terapêuticas – os chamados medicamentos “reposicionados”, entre eles a cloroquina e seu derivado, a hidroxicloroquina, a ivermectina, a nitazoxanida, o remdesivir e a azitromicina. No entanto, não há evidências científicas que respaldem o uso dessas substâncias na prevenção ou tratamento da COVID-19. Diante do consumo destes medicamentos, a Agência Americana de Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) se manifestou contrários a utilização, tendo em vista que os eventuais benefícios atribuídos à cloroquina e hidroxicloroquina não compensariam os riscos dos efeitos adversos.

Diante deste fato, fica evidente que o Brasil é o país que mais se destaca no que diz respeito à desinformação relacionada a medicamentos e às populares fake news da doença, indicando que as evidências científicas não estão sendo adequadamente captadas pelo debate público brasileiro.

A pandemia revelou as falhas e os esquecidos do sistema de proteção social. Foi preciso o choque da pandemia para que a fragilidade financeira destes trabalhadores já bem evidente no passado, passasse realmente a ser vista como um problema a resolver diante de um todo do País. Existe um estrato da população brasileira que se sente excluído dos diversos “privilégios”, ou seja, que as políticas públicas são sempre direcionadas para “o outro”.

Fato é que a crise oriunda do Covid-19 é algo sem precedentes e com desfechos ainda incertos, principalmente quando falamos do nível de desemprego. Neste rastro, temos a informalidade que tende a aumentar durante a pandemia, denotando que a restrição imposta pelas políticas de distanciamento/isolamento social e, em alguns casos, lockdown, tendem a restringir esta forma de se buscar algum rendimento.

Portanto, é preciso adotar ações de proteção às pessoas e às empresas, sendo que este papel cabe aos Estados, ainda que isso implique em um grande aumento da dívida pública. Mas não há outra saída para minimizar os efeitos da crise. Ademais, importante ressaltar que a luta em defesa da vida não deve ser prerrogativa do setor saúde, mas sim de todos os setores governamentais e da sociedade civil. E essa busca deve estar acima de interesses puramente econômicos e individuais.

Foto: Alex Rocha/SMDS

Artigo publicado no informativo do Sintergs – edição nº 66 – Julho/2021

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