Dor de Barriga
Nelcir André Varnier*,
diretor de Assuntos Regionais
e Setoriais do Sintergs
Grande parte dos servidores públicos estaduais do Rio Grande do Sul está com menos de dois terços do seu poder de compra em relação ao ano de 2014, conforme a inflação de mais de 60% de lá para cá (ver tabela), recebeu salários com atrasos, sofreu retiradas de direitos, trabalhou na pandemia, ganhou mais trabalho e, ainda, os aposentados passaram a receber menos com o aumento de um desconto imoral e ilegal sobre suas aposentadorias.
O atual governo, reeleito, fala para os quatro cantos possíveis que conseguiu pagar as contas e ter superávit em 2022. Mas omite como fez isso. Em grande parte foi com o dinheiro dos outros, dos trabalhadores e aposentados. Essa é a boa gestão garganteada pelo governador Eduardo Leite às custas de outros, em detrimento de terceiros. E, para completar a falta de vergonha na cara, o governador aumentou em 32% seu próprio salário e 47% os dos secretários e do vice-governador, além dos 6% já recebidos em 2022 – uma gestão em causa própria. É, sem sombra de dúvida, uma grande façanha.
Desde o primeiro mandato do governador Eduardo Leite os servidores de nível superior ativos e aposentados, Analistas, Especialistas e Extranumerários, pleiteiam recomposição das suas remunerações e reestruturações das suas carreiras, entre outras pautas importantes a serem corrigidas. No entanto, o diálogo com o governo se apresentou como uma peça teatral infrutífera que vem se arrastando – e, quando alguma proposta surge, é consequência de um auto monólogo –, para não dizer autoritária, visto que ignora e desrespeita a constituição do estado, além de falsear a democracia. Ele é um legítimo ditador disfarçado, assim como todo seu governo, infelizmente.
As diferenças das remunerações entre servidores com mesma profissão dentro do estado sempre foram um problema para a gestão. A padronização da remuneração por meio de reestruturações pontuais e uma data-base permanente seria uma solução eficaz, resolvendo de vez grande parte dos problemas de gestão de pessoal, do custeio do sistema de saúde IPE, auxiliaria serviços do SUS para população, motivaria servidores, traria equilíbrio, organização e estabilidade para o estado. Seria uma mudança de rumos e exemplo para o Brasil. Porém essa obviedade é invisível aos olhos do governo.
O governador e vice-governador experimentaram emoções muito fortes nas eleições, conseguiram derrotar o oponente no segundo turno por causa de uma mobilização, na sua grande maioria, de servidores públicos de todas as esferas e poderes. Apesar de terem sido ignorados durante o mandato do governador, os servidores estaduais fizeram a diferença em favor dele. Foi uma escolha do menos pior. Por um lado o candidato Onix Lorenzoni, que era signatário de Bolsonaro e, portanto, da PEC 32 (reforma administrativa), que acabava com os servidores públicos ativos e aposentados, e, por outro lado, o Eduardo Leite, que já resumi acima a sua gestão, ambos com suas ambições cunhadas por uma lógica de estado idêntica ou, no mínimo, muito parecida.
Eles perceberam as dificuldades nas eleições por conta dos reflexos da gestão e suas posições. Eduardo e Gabriel (vice-governador) “passaram com as calças nas mãos”. As aspirações ficaram explícitas, inclusive de quem estava de fora: Eduardo quer ser presidente do Brasil, Gabriel Souza, governador do RS e seu correligionário Sebastião Melo, atual prefeito de Porto Alegre, apoiou o Onix. Essa atitude de Melo pode ser interpretada por motivos de relações do município com o poder federal, mas seria muito arriscado com prognósticos desfavoráveis que poderia ocorrer para Melo, e ocorreu. Porém arrisco outra interpretação, disputa interna no partido e, caso a chapa do Onix ganhasse, Melo teria ambiente melhor para se alçar ao governo do estado. O momento, caso haja uma mínima consciência e reconhecimento dos vencedores, é de governar para todos e resgatar aqueles eleitores que ajudaram no resultado das urnas – os servidores públicos.
Urge corrigir erros, leis, decisões inócuas, fazer história boa e novas façanhas positivas. Exemplos temos de sobra: corrigir a carga horária na Secretaria da Saúde; data-base; diárias compatíveis; chefias profissionalizadas e qualificadas (temos de sobra nos quadros de servidores); valorização dos servidores; entre outros.
Mas ainda temos esperanças, os motivos estão a nossa vista, as ambições, anseios e dificuldades na última eleição podem mudar e melhorar qualquer um. É tempo de corrigir os rumos da gestão, é hora de acertar. Os servidores públicos estão esperando há muito tempo. E se serve de conselho, principalmente para os mais jovens, dor de barriga dá mais de uma vez.
* Servidor Público da Secretaria da Saúde do RS
Foto: Carlos Macedo / Divulgação Sintergs
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