A naturalização dos espaços
Artigo de Angela Antunes, diretora do Sintergs*
Apenas 3% dos funcionários públicos estaduais de nível superior são pretos, mostra recente pesquisa com associados do Sindicato dos Servidores de Nível Superior do Executivo do Rio Grande do Sul (Sintergs), realizada pela PUCRS. De 366 participantes, 91% se declararam brancos, 5,7% pardos e 0,3% indígenas.
Este estudo me instigou a “procurar” estes servidores pretos. O mais impressionante é que algumas secretarias não têm nenhum negro ou negra da base do Sintergs. Embora não seja surpreendente, considerando a dificuldade do acesso de não brancos à universidade, mesmo com a conquista das cotas, o resultado da pesquisa serviu para uma reflexão dentro do sindicato. Infelizmente, é comum a naturalização dos espaços, alguns vistos como de brancos e outros como de negros.
Certa vez, em uma discussão sobre cotas no meu trabalho, questionei uma colega em relação aos estudantes negros ou negras que ela conheceu na faculdade. A resposta foi: “não prestei atenção neste detalhe, pois para mim todos eram colegas”. Embora parecesse simpática, a declaração é de negação e alimenta o discurso irreal de uma democracia racial brasileira.
Ao percorrer as secretarias de Estado, verifica-se que os servidores de nível superior ou em cargos de chefia são, em sua maioria, brancos. Já a maior parte dos funcionários terceirizados de limpeza e de manutenção é negra. Muitas pessoas não refletem sobre esta situação, pois já naturalizaram os ambientes. Se acostumaram com médicos, advogados, veterinários e outros profissionais graduados brancos. Estranham quando se deparam com um profissional negro, como se ele estivesse fora do “lugar”.
Refletir sobre esta desigualdade, sobre o acesso à educação, a representatividade e assumir que há privilégios em ser branco é o primeiro passo para a mudança. Entender a necessidade das cotas, da dívida histórica do Brasil com os afrodescendentes e indígenas e desmitificar a meritocracia, como se todos tivessem acesso às mesmas condições, também é fundamental.
O Dia Nacional da Consciência Negra tem sua raiz em solo gaúcho, no Grupo Palmares, em Oliveira Silveira, Antonio Carlos Côrtes e outros militantes negros e negras. Viva o 20 de Novembro! Que este dia conscientize também a branquitude. Como diz Grada Kilomba, é necessário sair da defensiva do “eu não sou racista” e se perguntar “Como eu posso desmantelar meu próprio racismo?”.
* Artigo publicado no jornal Correio do Povo desta sexta-feira (20/11)
(Clique aqui para ver)
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