Dia do servidor público no Rio Grande do Sul: há razões mesmo para comemorar algo?

Dia do servidor público no Rio Grande do Sul: há razões mesmo para comemorar algo?

No dia em que se comemora a carreira pública em todo o país, o Sintergs reuniu o depoimento de três servidoras do Estado, de diferentes áreas de atuação e diferentes tempos de serviço, para comentar os desafios de atuar num segmento cada vez mais desvalorizado pelos governos estaduais. Sem reajuste, sem incentivos, com salários pagos de forma parcelada há quase seis anos, as funcionárias – entre elas uma aposentada – não desistem.

“A motivação para seguir é pelo bem maior da sociedade. Sempre quis trabalhar com políticas públicas, para realmente termos uma sociedade melhor, um ambiente mais equilibrado”, justifica a engenheira florestal Cristina Grabher, analista ambiental na Secretaria do Meio Ambiente (Sema) há um ano. Segundo a servidora, há muito preconceito da sociedade em relação às carreiras públicas.

“Quando se fala em servidor público, todo mundo imagina que os vencimentos são gigantes. Mas não é verdade. Os salários são medianos, são de mercado. Na verdade, o vencimento básico é bem abaixo do mercado, o que incrementa são as gratificações. E as aposentadorias são com os salários básicos, né? E tem também aquele preconceito de que servidor não trabalha. Trabalhamos muito”, testemunha.

A aposentada Ana Lúcia Touguinha, turismóloga da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo (Sedetur), conta que ingressou na carreira pública num momento de esperança para o país. “Era 1979, época de abertura política. Poucos anos depois, tivemos a Constituição que garantiu avanços enormes em termos de direito à população”, lembra a servidora, que está aposentada desde 2012.

Touguinha diz que não há nada a comemorar neste dia 28 de outubro. “Vejo tudo, todas essas conquistas, ameaçadas, com a desvalorização do servidor público, uma campanha midiática desvalorizando tudo que fizemos até aqui. Os servidores sempre trabalharam com respeito, dignidade e dedicação no desempenho de suas funções”, argumenta.

Ela lamenta os salários pagos com atraso e a falta de reposição salarial pela inflação, que já dura mais de cinco anos, “embora haja um artigo na Constituição estadual que garanta esse direito”. Também critica o desmonte do IPE Saúde, que ameaça a integridade do quadro de servidores do Estado. “Os aposentados contribuíram muito, conseguimos fazer do Rio Grande do Sul um modelo no turismo, na educação, na saúde. Tudo se perdeu. A quem interessa desprestigiar o serviço público, acabar com tudo?”, pergunta a aposentada.

Durante a pandemia do coronavírus, a importância do serviço público ficou ainda mais evidenciada. “A existência de serviços públicos como o SUS e o SUAS é que salvou o país. O que seria dos brasileiros sem eles?”, questiona a analista socióloga Fernanda Costa Corezola, que atua há 29 anos na Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplag). “O serviço público existe e precisa continuar existindo porque somos os guardiões da Constituição, temos a obrigação de zelar e promover os direitos constitucionais, o bem-estar, a dignidade da pessoa humana, enfrentar a pobreza e a fome e reduzir as desigualdades dentro do país”, defende.

Por isso a reforma administrativa proposta pelo governo federal é vista como mais uma tentativa de entregar carreiras estratégicas de Estado na mão de políticos e empresários que só visam o lucro. “A PEC da reforma administrativa, na verdade, deforma o sistema democrático e amaça colocar o Estado brasileiro refém dos interesses de grupos econômicos dominantes, que vão desmontar o serviço público, enfraquecer as políticas públicas, direcionadas a quem mais precisa delas, e não vai qualificar e nem garantir a redução das desigualdades”, completa Corezola.

Apesar de todas as dificuldades e da baixa expectativa para o futuro, o relato da engenheira florestal Cristina Grabher mostra como os servidores são resilientes. “A gente entra [no serviço público] e não tem nenhuma capacitação. A gente vai se virando, vai pedindo ajuda para os colegas, vai muito da boa vontade dos colegas e da proatividade do servidor que está começando. Não se passa por nenhum curso, não se passa por capacitação de como realizar os processos, como operar o sistema. Vai perguntando e se virando. Senti muita falta de um treinamento para quem foi recém nomeado”, diz.

Já pensou nisso antes de criticar os servidores que dedicam suas vidas à sociedade?

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