Uma mulher negra em espaço de decisão incomoda muita gente?
Angela Antunes de Souza,
diretora do Sintergs*
O novembro negro é de reflexão e de homenagem à luta e à resistência negra brasileira. Uma data simbólica construída a partir de estudos do poeta Oliveira Silveira e de outros militantes e intelectuais negros e negras do Grupo Palmares, sediado em Porto Alegre. A cidade que iniciou esta discussão em 1971 é a mesma onde uma ativista de extrema direita disse dentro da Câmara, em 2021, que uma vereadora negra era sua empregada. Por que incomoda tanto ver uma mulher negra nesses espaços? Que papel as instituições e a mídia têm na sustentação do racismo?
Acredito que toda menina negra da minha geração e das anteriores sentiu-se pouco representada. Era raridade encontrar bonecas pretas e praticamente não havia protagonistas negras. Novelas e filmes mostravam homens negros vinculados ao crime e mulheres negras em trabalhos domésticos, dentro da casa dos patrões, muitas vezes sendo assediadas (como se fosse normal), como se não tivessem casa, família, sonhos e vida própria. São imagens que contribuíram para estabelecer “padrões” no imaginário coletivo e para a manutenção do racismo e da desigualdade. Por que as mulheres negras não eram as intelectuais, as professoras, as médicas, as advogadas ou as heroínas?
Recentemente conheci a palavra sororidade, mas ela sempre esteve presente no cotidiano das mulheres negras. É este sentimento de empatia, solidariedade e apoio, de ser representada fora dos estereótipos racistas. Isto me fez chorar a morte da Marielle e comemorar Deise Nunes, Taís Araújo, Maju, Benedita da Silva e Conceição Evaristo, assim como celebrar Ruth de Souza, Zezé Motta, Fernanda Carvalho e Djamila Ribeiro. Elas sou eu, elas somos nós.
Precisamos de uma sociedade justa e igualitária. Embora venha ocupando mais espaço devido à luta histórica do movimento negro, a representatividade na mídia e nas instituições ainda não é proporcional ao percentual na população brasileira. Estas mulheres não deveriam ser exceções, mas são. E as querem calar, invisibilizar e definir quais papéis podem ocupar.
Não basta as instituições mostrarem que apoiam a igualdade racial em comerciais e lives no mês de novembro. É necessário ter, de fato, políticas e ações antirracistas no seu cotidiano. Uma mulher negra em espaço de decisão incomoda muita gente? Por quê? E duas, três, mil?
*Artigo publicado no jornal Zero Hora, edição de 19 de novembro de 2021.
Foto: Carlos Macedo
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