A importância de o Estado ouvir quem precisa de ajuda

A importância de o Estado ouvir quem precisa de ajuda

“A gente só tem aqui para poder falar do que sofre” é uma das frases mais ouvidas por Maria Ângela Bulhões, psicóloga e psicanalista, que trabalha no Ambulatório Melanie Klein, no Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP), em Porto Alegre. Para a servidora, a fala resume a importância de políticas sociais do Estado para uma população que não tem condições de pagar por atendimento especializado.

O serviço é fundamental, mas beneficia apenas um pequeno universo de pessoas. “É um trabalho de formiguinha, pois atingimos apenas uma pequena parcela. Porém, quando escutamos uma mulher, conseguimos intervir não só na vida desta pessoa, mas no contexto em que ela circula, na família”, detalha Fernanda Pereira Breda, que também é psicóloga e psicanalista e colega de Maria Ângela no ambulatório.

No Dia Internacional da Mulher, conversamos com as duas servidoras e contamos como o atendimento psicológico público e gratuito contribui para a melhora da saúde mental das pessoas de baixa renda, em especial as mulheres. Neste caso, de pacientes encaminhados pela rede básica de saúde dos bairros Agronomia, Lomba do Pinheiro e Partenon, área de atuação do Ambulatório Melanie Klein.

Apesar da dificuldade de todos os públicos em mudar comportamentos, as mulheres são mais abertas para falar. “Ao buscar atendimento, estão disponíveis a aceitar ajuda. Se mostrar frágeis não vai torná-las fracas socialmente, diferentemente dos homens. É uma questão cultural e que precisa ser transformada”, considera Maria Ângela.

Fernanda Pereira Breda destaca importância de ressignificar figuras masculinas

Na parte do atendimento, Fernanda revela que algumas mulheres da comunidade se sentem mais à vontade com uma profissional do sexo feminino. Isso porque, para muitas, as representações masculinas estão ligadas à violência e elas chegam impossibilitadas de serem escutadas por homens. “A mulher psicóloga no serviço público ajuda a ressignificar as figuras masculinas. São mães que transmitem (esses aprendizados) para seus filhos e que acabam amplificando para a família”, exemplifica.

Fernanda considera um privilégio esse trabalho de acolhimento às mulheres. “Escutamos, sabendo que estamos lidando com situações delicadas, muitas vezes com sintomas de autodestruição de jovens meninas ou violência doméstica. Ao dar lugar a seu sofrimento, os pacientes passam a avaliar o valor das coisas de forma diferente”, afirma. Quando conseguem um avanço, comemoram.

Pandemia suspendeu atendimentos em grupo

Maria Ângela Bulhões reforça a importância do coletivo para potencializar ajuda

Ao refletir sobre o Dia Internacional da Mulher, Maria Ângela destaca a importância dos grupos de atendimento. Segundo a psicanalista, estamos perdendo a dimensão do coletivo na sociedade. “Para pessoas tão à margem das forças políticas e econômicas, no coletivo elas se sentem mais potentes, e não o tempo todo impotentes. Uma consegue ajudar a outra”, explica. “No São Pedro, dizemos que todo mundo está acostumado com floresta e nós encontramos terra árida. Mas quando vemos um verde, uma grama, nossa alegria é como se encontrássemos uma floresta”, diz.

Com a pandemia, os atendimentos em grupo foram suspensos, o que deixou homens e mulheres sem assistência, pessoas que já vivem em uma região com muitas dificuldades, diz Maria Ângela. São situações de violência, tráfico, pobreza, pouco estudo e com grande demanda de saúde mental. Em muitos casos, várias pessoas dividem a mesma casa e tiveram de ficar confinadas o tempo inteiro. O medo da Covid, a falta de trabalho e as dificuldades nas relações geram estresse, especialmente entre os mais vulneráveis e frágeis.

Serviços públicos do Ambulatório Melanie Klein

  • Atendimento exclusivo a pessoas encaminhadas pelas unidades básicas de saúde, além de pacientes internados no Hospital Psiquiátrico São Pedro.
  • Equipe multidisciplinar, com atendimento nas áreas de psicologia, psiquiatra, assistência social, nutrição e terapia ocupacional. Conta, ainda, com estagiários das áreas de psicologia e psiquiatria.
  • Parceria com o hospital em oficinas de criatividade e reciclagem para pacientes do HPSP e comunidade.

Texto: Karen Viscardi
Fotos: Arquivo pessoal

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