Educação do Campo: os desafios da multisseriação, falta de recursos e pandemia

Educação do Campo: os desafios da multisseriação, falta de recursos e pandemia

Carta de manifestação – Elisangela Luz da Costa*

O momento atual nos trouxe novos desafios relacionados à educação, porém sem dúvida as maiores dificuldades estão na garantia de um ensino de qualidade aos alunos do campo, poderia aqui citar vários motivos, localização, dificuldades financeiras, falta de conhecimento dos pais das tecnologias, baixa renda, analfabetismo dos pais, falta de recursos tecnológicos e provedores de internet por parte dos alunos, etc.

Falar dos impactos da pandemia na educação brasileira do campo é uma tarefa extensa e complexa, muitos são os contextos profundamente prejudicados pela situação atual, os assentamentos, as áreas indígenas, os quilombos, as ocupações etc. Sabe-se que neste período ficam mais evidenciada as condições historicamente negadas para quem vive no campo.

É importante uma reflexão sobre quais direitos sociais e portanto educacionais ficam em risco nesta realidade que nos é proposta pelo governo como estratégia para o desenvolvimento das aulas com nossos alunos do campo neste contexto de pandemia.

As escolas do campo são um espaço representativo e muito importante para a garantia dos direitos das comunidades onde estão inseridas. O modelo de educação rural, que hoje ainda é presente em diversas escolas, reproduz a cidade como o ideal a ser conquistado, colocando o campo como algo inferior, a escola onde trabalho, por exemplo, tem suas turmas do ensino fundamental organizadas de forma multisseriada, os professores além das já presentes diferenças nos níveis de aprendizagem atendem diferentes níveis de ensino em uma mesma sala.

Se esta situação já é complicada em uma realidade escolar normal, pode-se imaginar o quanto se potencializa quando o único modo de ensino apresentado aos alunos é o EAD. Apesar de sabermos que neste momento é a alternativa que temos não podemos deixar de refletir o quanto esse modelo de ensino pode ser exclusivo.

Em nossa escola a maioria dos alunos não tem acesso à internet e nem a tecnologia necessária para participar das aulas, muitos estão em defasagem no que se refere a idade e ano e por este motivo eram trabalhados de forma diferenciada de acordo com suas necessidades particulares de aprendizagem.

Muitos dos pais são analfabetos e os que não são não tem pouco conhecimento ou conhecimento algum das tecnologias, as alternativas de entregar material impresso é negada para muitos por não conseguirem chegar até a escola para acessarem essas atividades.

Temos situações diversas no dia a dia dos nossos alunos, os que precisam ir na casa do vizinho para assistir às aulas online, os que andam quilômetros a pé ou de bicicleta para pegar as atividades impressas na escola, os que gastam toda a internet 3g em meia hora para assistir pelo menos parte de uma aula via Meet, os que usam celulares emprestados dos pais somente no fim de semana, porque os pais trabalham em serviços distantes de casa e só tem contato com a criança em curtos períodos.

Estou num momento de análise e busca de melhores resultados para uma alfabetização de qualidade em uma turma multisseriada do campo em um contexto EAD com alunos sem os recursos necessários para que as informações cheguem de forma qualitativa até eles.

Neste contexto posso evidenciar aqui o quanto ainda é alienada a visão governamental no que se refere a realidade escolar em geral e mais ainda quando estamos falando em escolas do campo, o quanto estão despreparados para analisarem as diferenças destas escolas e seus alunos, esta falta de responsabilidade de nossos governantes coloca esses alunos em uma realidade exclusiva.

Tenho consciência e grande preocupação por saber que esse período, apesar de todos os esforços dos professores, poderá intensificar a marginalização com a política de fechamento definitivo das escolas do campo, algo que há tempos assombra muitas comunidades. Interrompendo não só as atividades em sala, mas todo o amparo que a escola fornece.

Minha esperança está na força dos professores, alunos e comunidade do campo por possuírem uma enorme capacidade de mobilização. Nos meus 20 anos de magistério, muitos deles na educação do campo, percebi que nessas escolas temos uma parcela significativa de povo organizado em defesa da educação, pessoas com disposição de defender a permanência dessas escolas em suas comunidades mesmo que nem sempre tenham êxito.

Sendo assim, o momento nos coloca o desafio de canalizar essas forças que cercam a educação, e neste período, intensificar a defesa das políticas educacionais conquistadas nos últimos anos.

A pandemia já têm apontado uma série de contradições em torno do modelo neoliberal. Não distante disso, evidenciará ainda mais as falhas do sistema educacional, ficando evidente não só no campo, como em todos os setores onde estamos inseridos, que além de não retroceder nossas conquistas, temos que avançar na construção de uma educação popular, ou seja, pública, democrática e libertadora.

* Professora Elisangela Luz da Costa
Formada em Ciências Biológicas – Urcamp
Pós-graduada em Práticas Interdisciplinares no Ensino de Ciências e Matemática – Ufpel
Mestre em Ensino de Ciências – Unipampa

Foto: Antônio Costa

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