O que está em jogo no projeto de reestruturação da previdência e do fundo previdenciário

O que está em jogo no projeto de reestruturação da previdência e do fundo previdenciário

O Projeto de Lei Complementar (PLC) 148, que propõe a reestruturação do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS/RS) e do Fundo Previdenciário (Fundoprev), pode ser uma armadilha para os servidores públicos. Em discussão na Assembleia Legislativa, a proposta foi encaminhada pelo governador Eduardo Leite em regime de urgência no início de julho. Desde o dia 17 de julho, está na Comissão de Constituição e Justiça.

Ao propor o PLC em regime de urgência, o governo não permite a discussão necessária, considera o presidente do Sindicato dos Servidores de Nível Superior do RS (Sintergs), Antonio Augusto Medeiros. “Promove ainda mais o desequilíbrio da previdência ao reduzir os direitos dos servidores e se apropriar de R$ 1,8 bilhão das contribuições para a previdência complementar de 17,1 mil funcionários públicos. Leite pretende utilizar os recursos dos trabalhadores para financiar a previdência complementar. E isso tem nome: é pedalada fiscal”, alerta. O dirigente pontua ainda que o governo tenta confundir os servidores ao misturar dois temas em um único projeto.

Para explicar sobre as mudanças propostas pelo executivo estadual, o Sintergs conversou com o auditor público externo do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS), Filipe Costa Leiria, que também é vice-presidente do Sindicato de Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do (Ceape) e secretário-geral da União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública. “O benefício especial não preserva tratamentos distintos para categorias previdenciárias distintas, o que é injusto”, explica Leiria. Confira os principais trechos da entrevista:

O que propõe o PLC 148?
São dois grandes assuntos: benefício especial, pleito das categorias que ganham acima do teto, e reestruturação do Fundoprev Civil. Aqueles servidores que ingressaram no Estado entre julho de 2011 e agosto de 2016 e estão no regime financeiro de capitalização serão migrados compulsoriamente para o regime de repartição simples, independentemente de optarem pela previdência complementar. Aqueles que optarem pela previdência complementar em vigência desde 2016, poderão aderir à Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público do Estado do Rio Grande do Sul (RS-Prev), que é facultativa. Uma vez que as contribuições pretéritas desses servidores incidiam sobre 100% da remuneração e não serão mais revertidas em benefício previdenciário, caberá ao Estado ressarcir por meio do benefício especial de natureza estatutária. No caso do RS, esse benefício será de fruição temporária. Quando se aposentar, o beneficiário ou seus sucessores recebem o valor durante 20 anos (260 meses).

Como é calculado o valor da contribuição?
O cálculo de contribuição leva em conta a média dos salários do servidor corrigido pelo IPCA até a data em que optou pela previdência complementar. Do total, é subtraído o teto do regime geral e o fator de contribuição incidirá sobre esse valor restante. Este fator de contribuição é uma ponderação entre as contribuições efetivadas pelo servidor até a data da opção, divididas por 40 anos (520 meses). Depois da opção pelo regime de previdência complementar, o benefício passa a ser corrigido pelo INPC.

Quem pode aderir à previdência complementar?
Qualquer servidor estatutário. Contudo, somente os que ganham acima do teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) terão patrocínio do Estado, na hipótese de facultativamente aderirem à RS-Prev. Quem já está no Estado terá prazo de adesão de três anos após publicação da lei. Aqueles que vierem de outros regimes próprios de previdência (outros estados e União), terão prazo de 90 dias.

Quais os riscos do previdência complementar?
Na previdência complementar, o servidor assume o risco do investimento. Também há possibilidade de, futuramente, o teto do regime geral, que hoje corresponde a aproximadamente seis salários mínimos, vir a ser achatado para três salários mínimos, como constam em algumas projeções, resultando num benefício muito rebaixado para o servidor.

Quais as diferenças entre legislação estadual e federal?
A proposta de benefício especial do Rio Grande do Sul foi inspirada no modelo da União. Porém, há diferenças. Em nível federal, o benefício considera em seus parâmetros de cálculo tempos de contribuição menores: 35 anos se homem e 30 se mulher, pela regra geral. No Estado, utiliza-se 40 anos de contribuição, sem fazer distinção entre homens e mulheres, por exemplo. Também não leva em conta aposentadoria por incapacidade permanente, nem aposentadoria especial e de professores. Essas diferenças reduzem significativamente o valor do benefício especial.

O servidor deve migrar?
No geral, não vale à pena porque o risco na previdência complementar é do servidor e também porque reduz, comparativamente, o benefício da aposentadoria no final da vida. Na repartição simples e no capitalizado, quem garante o benefício é o Estado – é uma corrida de bastão e, nessa relação, a pessoa que contribui não é a mesma que recebe: servidores ativos contribuem para os benefícios de aposentados e pensionistas. Na previdência complementar, o contribuinte é o próprio beneficiário: o servidor faz uma poupança para si mesmo a ser usufruída na aposentadoria. Neste caso, o bastão será a reserva que o servidor formará.

Quais as mudanças propostas para o Fundoprev?
Com o projeto do Fundoprev, o governo pretende reenquadrar compulsoriamente 17,1 mil servidores que ingressaram na carreira no serviço estadual entre 2011 e 2016. O objetivo é fazer eles migrarem para o regime de repartição simples e utilizar as reservas desses segurados, que totalizam R$ 1,8 bilhão, para aliviar o desembolso do Estado com a complementação financeira no regime de repartição simples. Não é permitido alocar esse recurso no tesouro do Estado. Mas quando o governo subtrai do regime capitalizado e coloca no regime repartição simples, está fazendo subsídio cruzado. Tira da conta da previdência e coloca em outra conta (repartição simples), que é deficitária, diminuindo a necessidade de complementar. Ao reduzir o aporte de recursos hoje, alivia o valor a ser aplicado no curto prazo. Mas, no futuro, essa conta vai estourar, porque o governo vai continuar tendo que pagar aposentadoria. E essa reserva era para, no futuro, aliviar o que tinha de ser desembolsado. O discurso de Eduardo Leite é que esse valor é para pagar o benefício especial, mas, se fosse isso, deveria estar fazendo reserva. É uma ‘pornografia’ previdenciária.

Saiba mais sobre o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS/RS)

  • O regime de repartição simples contempla servidores que ingressaram na carreira pública até julho de 2011. Nesse plano, os servidores ativos contribuem sobre 100% dos salários e sustentam os benefícios dos inativos. A proporção é de um para dois, ou seja, a cada real aportado pelo servidor, o Estado paga o dobro. Na repartição simples, não é criada reserva ou realizada qualquer tipo de aplicação financeira. Se faltar recursos, a responsabilidade de aporte é do Estado.
  • O regime financeiro de capitalização foi instituído para funcionários públicos nomeados entre julho de 2011 a agosto de 2016. Segue a mesma lógica de financiamento dos inativos pela contribuição dos ativos. Mas, nesse caso, o valor vai para um fundo de reserva e a proporção é de um para um entre as contribuições do servidor e do Estado.
  • O regime de previdência complementar é facultativo para os servidores que ingressaram no Estado antes de agosto de 2016 e compulsório para os demais. Foi instituído em setembro de 2016, a partir da criação da RS-Prev, que faz a gestão desses planos de benefícios previdenciários. Nesse sistema, o servidor contribui até o teto do RGPS e, quando se aposenta, recebe o teto. As parcelas excedentes ao teto do RGPS ficam a cargo do próprio servidor que poderá fazer sua própria poupança ou aderir facultativamente à RS-Prev.

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