Os desafios invisíveis das servidoras mães que atuam no serviço essencial
O Estado e a sociedade vêm fechando os olhos para mulheres com filhos que se mantêm em atividade presencial durante a pandemia. É o caso das servidoras públicas da Defesa Agropecuária, que atuam em serviços essenciais para a população. Para dar conta de uma jornada que ganhou um quarto turno de trabalho, as mães precisam fazer malabarismos para conseguir alguém para cuidar de seus pequenos, enquanto escolas e creches estão fechadas, por necessidade de resguardo das crianças, das famílias e dos trabalhadores da Educação.
Conversamos com três funcionárias de carreira da Secretaria da Agricultura, de diferentes regiões do Estado. Todas relataram o aumento de funções e de cansaço, seja pela sobrecarga de trabalho, pela pressão em ter de garantir um cuidador para ficar com seus filhos durante o horário de expediente, ou ainda pelo acúmulo do papel de mãe e auxiliar nas tarefas escolares, que hoje vai muito além dos temas de casa.
“Temos de trabalhar e pensar com quem deixamos nossos filhos enquanto as escolas estão fechadas. Recorremos a vizinhos, amigos e família, quando se tem parentes próximos. Já a criança fica sem rotina, não sabe com quem irá ficar, não entende que não tem aula e por que a mãe não está em casa. É um problema invisível ao governo e à sociedade. É um desgaste pedir favor para os outros, não saber como será a semana que vem”, explica Beatriz Scalzilli, 41 anos, mãe de Marcelo, cinco anos. A fiscal agropecuária atua no Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa), em Porto Alegre.
A cearense Aline Lima de Souza, 39 anos, mãe de Antonnio Eduardo, 10 anos, concorda. Segundo a fiscal agropecuária, o governo não leva em conta a situação de mães com filhos, alguns até em idade de amamentação. “Tenho colegas que não têm com quem deixar seus bebês. Outras, em licença maternidade, terão de voltar a trabalhar quando acabar o período porque não tiveram direito a ficarem em casa”, detalha a servidora de Nonoai, da Inspetoria de Defesa Agropecuária (IDA) de Palmeira das Missões, na região Norte.
Com um colega em teletrabalho por pertencer a grupo de risco, a fiscal agropecuária Liese Vargas, 30 anos, da IDA de Vacaria, conta com a parceria de apenas um colega da área vegetal para atender 23 municípios nas regiões dos Campos de Cima da Serra e do Nordeste, o que aumentou a carga de trabalho. “Mesmo com orientação para evitar fiscalizações presenciais, não podemos parar porque atuamos em uma atividade essencial, que ajuda a garantir a produção e a segurança alimentar”, reflete a mãe de Maria Eduarda, 10 anos. Segundo a servidora, conciliar este cenário com a atenção necessária à filha e auxiliar nas atividades da escola está sendo bastante complicado.
Na Secretaria da Agricultura, o teletrabalho é permitido apenas para quem apresenta atestado médico. Já o revezamento deixou de ser adotado após comunicado da pasta, que em maio convocou todos os servidores da Defesa Agropecuária a voltarem a seus postos, contrariando o próprio decreto do governo estadual, que estabelece essa modalidade de trabalho. “Embora o revezamento não seja a situação ideal, traz certa flexibilidade. Do ponto de vista do sindicato, a medida da secretaria colide com o decreto, o que foi questionado junto ao Ministério Público do Trabalho”, destaca Angela Antunes de Souza, diretora do Sindicato dos Servidores de Nível Superior do Rio Grande do Sul (Sintergs).
Para a dirigente, o comunicado que excluiu a possibilidade de revezamento agravou a situação das mães que têm filhos em casa e precisam trabalhar. Muitas são chefes de família ou têm seus parceiros ou parceiras também em atividade essencial. “Falta sensibilidade ao governo para tratar situações diferenciadas”, avalia Angela.
Manter o isolamento e as crianças em casa é fundamental para redução do contágio, e o Estado deveria buscar alternativas para estas mães trabalhadoras. “Apesar de reconhecer como imprescindível o fechamento das escolas e creches, os servidores que estão na linha de frente estão com sobrecarga. A administração pública precisa ter um olhar diferente, pensar em soluções para essa situação. Estão tratando desiguais de forma igual”, acrescenta o presidente do Sintergs, Antonio Augusto Medeiros.
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Falta de rede de apoio e suspeita de coronavírus afetam emocionalmente
O acúmulo de funções é realidade para a fiscal estadual agropecuária Aline Lima de Souza, 39 anos. A cearense não tem familiares próximos, então conta com a ajuda de uma babá e das vizinhas para cuidar do filho Antonnio Eduardo, 10 anos.
Jornadas de trabalho prolongadas impactam no convívio familiar
“Falta tempo”. Essa é a percepção da fiscal estadual agropecuária Liese Vargas, 30 anos, sobre a realidade que vive desde março, quando começou a pandemia. Tempo para auxiliar a filha, Maria Eduarda, 10 anos, nas tarefas da escola e nas aulas on-line, e tempo para si mesma.
Maternidade, pandemia e o descaso do governo
Imagine trabalhar durante a pandemia sem saber se conseguirá alguém para cuidar do seu filho enquanto você está no serviço. A cada semana, ver quem tem disponibilidade e em quais dias. Assim é a rotina da fiscal estadual agropecuária Beatriz Scalzilli, 41 anos, com o filho Marcelo, de cinco anos.
Fotos: Arquivo pessoal/Beatriz Scalzilli (imagem principal), César Thomé (foto Aline), Bruna Karpinski (foto Beatriz) e Lucio Amaral (foto Liese)
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